| | | Na senzala, úmida, estreita, Brilha a chama da candeia, No sapé se esgueira o vento. E a luz da fogueira ateia.
Junto ao fogo, uma africana, Sentada, o filho embalando, Vai lentamente cantando Uma tirana indolente, Repassada de aflição. E o menino ri contente... Mas treme e grita gelado, Se nas palhas do telhado Ruge o vento do sertão.
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A cantiga cessou... Vinha da estrada A trote largo, linda cavalhada De estranho viajor, Na porta da fazenda eles paravam, Das mulas boleadas apeavam E batiam na porta do senhor.
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A porta da fazenda foi aberta; Entraram no salão.
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Por que tremes, mulher? Que estranho crime, Que remorso cruel assim te oprime E te curva a cerviz? O que nas dobras do vestido ocultas? É um roubo talvez que aí sepultas? É seu filho ...Infeliz!...
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Leitor, se não tens desprezo De vir descer às senzalas Trocar tapetes e salas Por um alcouce cruel, Vem comigo, mas... cuidado... Que o teu vestido bordado Não fique no chão manchado, No chão do imundo bordel.
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— Escrava, dá-me teu filho! Senhores, ide-lo ver: É forte de uma raça bem provada, Havemos tudo fazer.
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— Perdão, senhor! perdão! meu filho dorme... Inda a pouco o embalei, pobre inocente, Que nem sequer pressente Que ides... — Sim, que o vou vender! — Vender?!... Vender meu filho?!
Senhor, por piedade, não... Vós sois bom... antes do peito Me arranqueis o coração!
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Porém nada comove homens de pedra, Sepulcros onde é morto o coração. A criança do berço ei-los arrancam Que os bracinhos estende e chora em vão!
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Um momento depois a cavalgada Levava a trote largo pela estrada A criança a chorar. Na fazenda o azorrague então se ouvia E aos golpes — uma doida respondia Com frio gargalhar!...
Recife, julho de 1865. | | | Autor: Antônio Frederico de Castro Alves | |
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